- Uma cartilha
voltada para o serviço público -
José Luis Wagner
Fonte: www.wagner.adv.br
1. APRESENTAÇÃO
O assédio
moral constitui um dos temas que mais têm sido discutidos na atualidade, no que
se refere ao trabalho e ao trabalhador.
Na verdade,
a questão é tão antiga quanto o próprio trabalho, mas a sua manifestação jamais
se deu de forma tão contundente como agora. O conceito, apesar de não ser tão recente,
vem recebendo um destaque maior na mídia e nos meios jurídico e político
nos últimos tempos, em razão da
tendência atual de se humanizar um pouco mais as relações de trabalho.
Por outro
lado, importante considerar que o assédio moral apresenta contornos especiais
no serviço público, em razão da garantia da estabilidade no vínculo funcional.
Diante dessa situação, e em face da difusão dessa espécie de prática, é
relevante que o tema seja discutido por toda a sociedade e, especialmente,
pelos servidores públicos.
A
importância do tema é realçada diante dos prognósticos realizados pela
Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pela Organização Mundial de Saúde
(OMS), segundo os quais a disseminação das políticas neoliberais no processo de
gestão do ambiente de trabalho terá como consequência o fato de que as relações
de trabalho,nas duas próximas décadas, serão caracterizadas por depressões,
angústias e outros danos psíquicos.
Por tais
motivos, o Escritório Wagner Advogados
Associados elaborou a presente cartilha, com a finalidade de contribuir para o
esclarecimento dos servidores e da sociedade em geral quanto às questões
relativas ao assédio moral. Ela não pretende esgotar o assunto ou aprofundar-se
nas discussões teóricas sobre os vários aspectos da questão,
mas simplesmente esclarecer a matéria sob o ponto de vista da caracterização do
assédio, consequências e atitudes possíveis para prevenir ou contornar o
problema.
2.
BREVE HISTÓRICO
A violência
moral nos locais de trabalho tornou-se objeto de estudo inicialmente na Suécia
e depois na Alemanha, sobretudo por mérito de um pesquisador em psicologia do
trabalho,Heinz Leymann, que em 1984 identificou pela primeira vez o fenômeno.
Na França,
a psiquiatra Marie-France Hirigoyen foi uma das pioneiras a desenvolver estudos
nesse sentido, revelando em 1998,
através do seu livro Assédio Moral, e depois em 2001, na obra Mal-Estar no
Trabalho, que este tipo de assédio é uma "guerra psicológica", envolvendo
abuso de poder e manipulação perversa, fatores responsáveis por prejuízos à
saúde mental e física
das pessoas.
No Brasil,
atualmente, existem leis e projetos de lei em tramitação no âmbito federal e
estadual, uma vez que a violência no ambiente de trabalho está se tornando cada
vez mais ostensiva. Existem, também,
algumas leis e projetos de lei municipais sobre o assunto. Essa manifestação do
Legislativo demonstra a disposição inequívoca de se coibir atos aos quais, até
bem pouco tempo, não era dada a devida importância.
3.
O QUE É O ASSÉDIO MORAL?
O assédio
moral consiste na exposição dos trabalhadores a situações humilhantes e
constrangedoras, geralmente repetitivas e prolongadas, durante o horário de
trabalho e no exercício de suas funções, situações essas que ofendem a sua
dignidade ou integridade física. Cabe destacar que, em alguns casos, um único
ato, pela sua gravidade, pode também caracterizá-lo.
Pode-se
dizer que o assédio moral é toda e qualquer conduta - que pode se dar através
de palavras ou mesmo de gestos ou atitudes - que traz dano à personalidade,
dignidade ou integridade física ou psíquica do trabalhador, põe em risco seu
emprego ou degrada o ambiente de trabalho.
O objetivo
do assediador, de regra, é motivar o trabalhador a pedir demissão ou remoção
para outro local de trabalho, mas o
assédio pode se configurar também com o objetivo demudar a forma de proceder do
trabalhador em relação a algum assunto (por exemplo, para que deixe de
apoiar o sindicato ou determinado movimento reivindicatório
em curso), ou simplesmente visando a humilhá-lo perante a chefia e demais
colegas, como uma espécie de punição pelas opiniões ou atitudes
manifestadas. O importante, para a
configuração do assédio moral, é a presença de conduta que vise a humilhar,
ridicularizar, menosprezar, inferiorizar,rebaixar, ofender o trabalhador,
causando-lhe sofrimento psíquico e físico.
O assédio
moral provoca a degradação do ambiente de trabalho, que passa a comportar
atitudes arbitrárias e negativas, causando prejuízos aos trabalhadores.
Compromete, assim, a dignidade e mesmo a identidade do trabalhador, bem como
suas relações afetivas e sociais, causando danos à saúde física e mental.
Conforme
definição de Marie-France Hirigoyen, por assédio em local de trabalho tem-se
que entender por toda e qualquer conduta
abusiva manifestando-se sobretudo por comportamentos, palavras, atos, gestos,
escritos, que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade
física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degradar o
ambiente de trabalho.
4.
COMO ELE SE MANIFESTA?
São
diversas as formas de manifestação do assédio moral, sendo as mais correntes:
# Recusa na
comunicação direta entre o assediador e o assediado, quando aquele aceita se
comunicar com este apenas por e-mail ou bilhetes;
# Segregação física do trabalhador no ambiente de trabalho,
ou seja, casos em que o mesmo é colocado em local isolado, com dificuldade de
se comunicar com os demais colegas;
# Impedimento do trabalhador se expressar, sem explicar os
motivos;
# Despromoção injustificada (ou, no serviço público, a
retirada de funções gratificadas ou cargos em comissão), com o trabalhador
perdendo vantagens ou postos que já tinha conquistado;
# Imposição de condições e regras de trabalho personalizadas
ao trabalhador, caso em que são
exigidas, de determinada pessoa, tarefas diferentes das que
são cobradas das demais, mais trabalhosas ou mesmo inúteis;
# Delegação de tarefas impossíveis de serem cumpridas ou que
normalmente são desprezadas pelos
outros;
# Determinação de prazo desnecessariamente exíguo para
finalização de um trabalho;
# Não-repasse de trabalho, deixando o trabalhador ocioso,
sem quaisquer tarefas a cumprir, o que provoca uma sensação de inutilidade e
incompetência e o coloca em uma situação humilhante frente aos demais colegas
de trabalho;
# Fragilização, ridicularização, inferiorização, humilhação
pública do trabalhador, podendo os
comentários invadirem, inclusive, o espaço profissional;
# Manipulação de informações de forma a não serem repassadas
com a antecedência necessária ao
trabalhador;
# Troca de horários ou turnos do trabalhador sem avisá-lo;
# Estabelecimento de vigilância especificamente sobre o
trabalhador considerado;
# Contagem do tempo ou a limitação do número de vezes e do
tempo em que o trabalhador permanece no banheiro;
# Comentários de mau gosto quando o trabalhador falta ao
serviço para ir ao médico;
# Proibição de tomar cafezinho ou redução do horário das
refeições;
# Advertência em razão de atestados médicos ou de reclamação
de direitos;
# Divulgação de boatos sobre a moral do trabalhador (com os
homens, em grande parte das
vezes o assédio se manifesta através de piadas ou
comentários sobre sua virilidade);
# Imposição de sobrecarga de trabalho ou impedimento da
continuação do trabalho, deixando de
prestar informações necessárias;
# Colocação de um trabalhador controlando o outro, fora do
contexto da estrutura hierárquica da
empresa, espalhando assim a desconfiança e buscando evitar a
solidariedade entre colegas.
As condutas de assédio têm como alvo freqüente as mulheres e
os trabalhadores doentes ou que sofreram acidentes do trabalho, que são
discriminados e segregados.
Em relação a estes últimos, são comuns as seguintescondutas:
# Ridicularização do doente e da sua doença;
# Controle das idas aos médicos;
# Colocação outra pessoa trabalhando no lugar do trabalhador
que vai ao médico, para constrangê-lo em seu retorno, sendo que muitas vezes o
substituto serve apenas para observar os demais trabalhadores, sem qualquer
função;
# Não fornecimento ou retirada dos instrumentos de trabalho;
# Estimulação da discriminação em relação aos adoecidos ou
acidentados, colocando-os em locais
diferentes dos demais trabalhadores;
# Dificultação da entrega de documentos necessários à
realização de perícia médica.
5. QUALQUER
CONFLITO NO AMBIENTE DE TRABALHO OU APLICAÇÃO
DE PENALIDADE AO TRABALHADOR PODE CONFIGURAR ASSÉDIO?
É
imprescindível destacar, nesse ponto, que o contrato de trabalho dá ao empregador
o poder de direção e que o exercício deste, nos limites legais, não configura
assédio moral.
O poder de
direção consiste na faculdade atribuída
ao empregador de determinar o modo como a atividade do empregado, em
decorrência do contrato de trabalho, deve ser exercida. Esse poder de direção
manifesta-se de três formas: o poder de organização, o de controle sobre o
trabalho e o poder disciplinar sobre o trabalhador.
O poder de
organização da atividade do empregado se dá em combinação com os demais fatores
de produção,tendo em vista os fins objetivados pela empresa.
O poder de
controle dá ao empregador o direito de fiscalizar o trabalho de empregado. Essa
fiscalização não se dá somente quanto ao modo como o trabalho é exercido, mas
também quanto ao comportamento do trabalhador no ambiente de trabalho.
Por fim, o
poder disciplinar é o direito do empregador de impor sanções disciplinares aos
empregados. Esse poder, entretanto, sujeita-se aos limites legais.
Dessa
forma, o exercício desses poderes pelo empregador, nos limites da lei e de forma a não causar
constrangimentos e humilhações injustificadas ao trabalhador, não configura
assédio moral. Este, como já referido, não resta caracterizado em todo conflito
que porventura ocorra
no ambiente de trabalho, mas somente nos casos em que o
trabalhador fica sujeito a situações humilhantes, geralmente repetidas e
prolongadas, ou então únicas, mas extremamente graves, de forma a causar-lhe
sofrimento emocional e físico.
O mesmo
ocorre no âmbito do serviço público: a orientação e fiscalização do trabalho,
bem como, por exemplo, a aplicação de penalidades previstas no RJU (Regime
Jurídico Único – Lei 8.112/90), não
configura, por si só, a prática do assédio moral, oque só ocorrerá se tais
procedimentos forem levados a efeito mediante constrangimentos e humilhações
injustificadas do trabalhador.
6.
O ASSÉDIO OCORRE APENAS ENTRE SUPERIOR E
SUBORDINADO?
Não. Embora
a situação mais comum seja a do assédio moral partir de um superior para um
subordinado, muitas vezes pode ocorrer entre colegas de mesmo nível hierárquico
ou mesmo partir de subordinados para um
superior, sendo este último caso, entretanto, mais difícil de se configurar.
O que é
importante para configurar o assédio moral, dessa forma, não é o nível
hierárquico do assediador ou do assediado, mas sim as características da
conduta: a prática de situações
humilhantes no ambiente de trabalho, de forma repetida.
Nesse
sentido, cabe destacar que, muitas vezes, o assédio moral vindo do superior em
relação a um trabalhador pode acarretar mudanças negativas também no
comportamento dos demais trabalhadores, que passam a isolar o assediado,
pensando em afastar-se dele para proteger seu
próprio emprego e, muitas vezes, reproduzindo as condutas do
agressor. Passa a
haver, assim, uma rede de silêncio e tolerância às condutas
arbitrárias, bem como
a ausência de solidariedade para com o trabalhador que está exposto ao assédio
moral.
Isso
acontece porque o assediador ataca os laços afetivos entre os trabalhadores,
como forma de facilitar a manipulação e dificultar a troca de informações e a
solidariedade.
7. POR QUE O
ASSÉDIO MORAL É FREQUENTE NO ÂMBITO DO SERVIÇO
PÚBLICO?
O setor
público é um dos ambientes de trabalho onde o assédio se apresenta de forma
mais visível e marcante.
Muitas
repartições públicas tendem a ser ambientes carregados de situações perversas,
com pessoas e grupos que fazem verdadeiros “plantões” de assédio moral. Muitas
vezes, por falta de preparo de alguns chefes imediatos, mas com freqüência por
pura perseguição a um determinado indivíduo.
Neste
ambiente, o assédio moral tende a ser mais freqüente em razão de uma
peculiaridade: o chefe não dispõe sobre
o vínculo funcional do servidor. Não podendo demiti-lo, passa a humilhá-lo e
sobrecarregá-lo de tarefas inócuas.
Outro
aspecto de grande influência é o fato de no setor público muitas vezes os
chefes são indicados em decorrência de seus laços de amizade ou de suas
relações políticas, e não por sua qualificação técnica e preparo para o
desempenho da função.
Despreparado
para o exercício da chefia, e muitas vezes sem o conhecimento mínimo necessário
para tanto, mas escorado nas relações que garantiram a sua indicação, o chefe pode se tornar extremamente arbitrário,
por um lado, buscando compensar suas evidentes limitações, e
por outro, considerando-se intocável.
8.
QUAIS AS CONSEQUÊNCIAS DO ASSÉDIO MORAL SOBRE
A SAÚDE?
Os reflexos
de quem sofre a humilhação são significativos e vão desde a queda da
auto-estima a problemas de saúde.
Dentre as
marcas prejudiciais do assédio moral na saúde do trabalhador, são citadas as
seguintes:
# Depressão, angústia, estresse, crises de competência,
crises de choro, mal-estar físico e mental;
# Cansaço exagerado, falta de interesse pelo trabalho,
irritação constante;
# Insônia, alterações no sono, pesadelos;
# Diminuição da capacidade de concentração e memorização;
# Isolamento, tristeza, redução da capacidade de se
relacionar com outras pessoas e fazer amizades;
# Sensação negativa em relação ao futuro;
# Mudança de personalidade, reproduzindo as condutas de
violência moral;
#Aumento de peso ou emagrecimento exagerado, aumento da
pressão arterial, problemas digestivos, tremores e palpitações;
# Redução da libido;
# Sentimento de culpa e pensamentos suicidas;
# Uso de álcool e drogas, e
# Tentativa de suicídio.
O assédio
moral causa a perda de interesse pelo trabalho e do prazer de trabalhar,
desestabilizando emocionalmente e provocando não apenas o agravamento de
moléstias já existentes, como também o surgimento de novas doenças.
Além disso,
as perdas refletem-se no ambiente de trabalho, atingindo, muitas vezes, os
demais trabalhadores, com a queda da produtividade e da qualidade, ocorrência
de doençasprofissionais e acidentes de trabalho, causando ainda a rotatividade
de trabalhadores e o aumento de ações judiciais pleiteando direitos
trabalhistas e indenizações em razão do assédio
sofrido.
9.
HÁ PROTEÇÃO LEGAL PARA AS VÍTIMAS?
A
legislação específica sobre assédio moral no Brasil ainda está em fase de
construção. Existem várias leis e projetos de lei nesse sentido. Nesse
contexto, constituir um advogado é fundamental.
Entretanto,
já é possível pleitear a tutela dos direitos do trabalhador com base no dano
moral trabalhista e no direito ao meio ambiente de trabalho saudável,
garantidos pela Constituição Federal.
No campo da
previdência (para trabalhadores celetistas), a luta é para fazer com que o
assédio moral seja reconhecido causador de doença relacionada ao trabalho. E aí
a importância de emitir a CAT – Comunicação de Acidente de Trabalho,
descrevendo a patologia como decorrente
do assédio moral, sempre que for o caso.
10. O
QUE FAZER DIANTE DO PROBLEMA?
A primeira
coisa a fazer é anotar tudo o que acontece, fazer um registro diário e
detalhado do dia-a-dia do trabalho, procurando, ao máximo, coletar e guardar
provas do assédio (bilhetes do assediador, documentos que mostrem o repasse de
tarefas impossíveis de serem cumpridas ou inúteis, documentos que provem a
perda de vantagens ou de postos, etc). Além disso,
procurar conversar com o agressor sempre na presença de
testemunhas, como
um colega de confiança ou mesmo um integrante do sindicato.
É importante também reforçar a solidariedade
no local de trabalho, como forma de coibir o agressor, criando uma rede de
resistência às condutas de assédio moral.
Outro passo
a ser dado é buscar ajuda dentro do próprio órgão público. Procurar o
departamento de recursos humanos para relatar os fatos é uma boa saída. Também
podem ser exigidas explicações do agressor por escrito, enviando carta ao
departamento de recursos humanos do órgão, guardando sempre comprovante do
envio e da possível resposta.
Ao mesmo
tempo, é necessário procurar o sindicato, que pode contribuir nessas situações,
através da busca da solução do conflito e da prevenção de novas situações dessa
espécie. Porém, se isso não resolver o problema, deve-se passar a uma próxima
etapa: com o apoio familiar, apoio médico - de psicólogos ou psiquiatras, procurar orientação jurídica junto ao
sindicato da categoria,
para denunciar a situação de assédio moral.
11. ASSÉDIO
MORAL PODE GERAR INDENIZAÇÃO?
Sim. Os
danos sofridos pela vítima podem gerar perdas de caráter material e moral,
surgindo o direito à indenização. Em muitos casos, a vítima acaba por pedir
demissão ou, no caso de servidor público, exoneração, abandona o emprego ou o
cargo, o que deve ser indenizado.
A indenização por danos materiais pode abranger:
a)os danos emergentes (o que a vítima efetivamente perdeu,
como no caso do servidor que fica doente emfunção do assédio, tendo gastos com
tratamento médico e medicamentos); e
b) os lucros
cessantes (o que a vítima deixou de
ganhar, como no caso do servidor pediu exoneração porque foi assediado,
deixando assim de receber seus vencimentos). Além disso, pode haver indenização por danos morais, relativos ao
sofrimento psicológico que a vítima
suportou em virtude do assédio moral.
12. ASSÉDIO MORAL
PODE GERAR PUNIÇÃO DISCIPLINAR (ADMINISTRATIVA E TRABALHISTA)?
Sim. No
âmbito das relações administrativas (ou seja, no serviço público), o assediador
pode receber punições disciplinares, de acordo com o regramento próprio.
Embora a
Lei n. 8.112 de 1990 (RJU - Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos da
União, Autarquias e Fundações Públicas
Federais) não aborde claramente a questão do assédio moral, a conduta do
assediador pode ser enquadrada no RJU, porque afronta o dever de moralidade,
podendo constituir-se em incontinência de conduta.
O RJU
prevê, no Título IV, as condutas proibitivas
e deveres do servidor, sendo alguns pertinentes ao tema.
Em relação
aos deveres impostos aos servidores, tem-se que a prática de assédio moral
provoca a violação do dever de manter conduta compatível com a moralidade
administrativa (artigo 116, inciso IX),
de tratar as pessoas com urbanidade (artigo 116, inciso XI) e deser leal às
instituições a que servir (artigo 116, inciso II).
Além disso,
o RJU prevê que é proibido ao servidor promover manifestação de apreço ou
desapreço no recinto da repartição (artigo 117, inciso V) e valer-se do cargo
para lograr proveito pessoal ou de outrem, em prejuízo da dignidade da função
pública, proibições que são desrespeitadas em casos de assédio.
Por fim, a
proibição de que ao servidor sejam designadas atribuições estranhas ao cargo
que ocupa(artigo 117, inciso XVII), o que só é permitido em situações de
emergência e transitórias, também é desrespeitada nas hipóteses em que o
assediador determina que o assediado
realize tarefas que não fazem parte de suas atribuições.
Assim, a
prática do assédio moral contraria vários
dos deveres atribuídos por lei aos servidores públicos e desrespeita proibições que lhes são
impostas.
Nesse
sentido, o RJU prevê também as penalidades disciplinares que podem ser
aplicadas aos servidores (artigo 127), dentre elas constando a advertência, a
suspensão, a demissão, a cassação de aposentadoria ou disponibilidade, a
destituição de cargo em comissão e a destituição de função comissionada.
A lei
dispõe ainda que, na aplicação das
penalidades, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida,
bem como os danos que ela causar ao serviço público, as circunstâncias
agravantes e atenuantes e os antecedentes do servidor.
Dessa
forma, a gravidade da irregularidade cometida determinará a gradação da sanção
aplicável.
Quanto a
essas penalidades, é importante destacar que, dependendo da intensidade do
assédio moral e das situações em que é praticado, pode até ocasionar a demissão
do servidor assediador. Isso porque uma das situações em que está prevista a
demissão do servidor é a de
incontinência pública e conduta escandalosa na repartição.
Ressalte-se
que é assegurada a apuração criteriosa dos fatos, em sindicância e processo
administrativo disciplinar, onde seja garantida a ampla defesa do servidor
acusado de assediador.
Analisada a
questão na ótica trabalhista, a CLT atribui a quem comete falta grave a punição
de demissão por justa causa, sendo que o assédio moral pode ser assim
considerado.
Em casos de
menor gravidade podem ser aplicadas as penas de advertência ou suspensão.
13. O VÍNCULO
TRABALHISTA, QUANDO ANALISADO SOB A ÓTICADA
VÍTIMA DO ASSÉDIO, PODE SOFRER ALGUMA INFLUÊNCIA?
Sim, em
relação aos trabalhadores celetistas. O assediado pode requerer a rescisão
indireta do contrato de trabalho, ou seja, requerer que o contrato seja rompido
como se ele tivesse sido demitido, pleiteando também as verbas rescisórias que
seriam devidas nessa situação (dentre as quais o aviso prévio indenizado, a
multado FGTS, etc). Isso porque o assédio pode consistir em fato impeditivo da
continuação do vínculo de trabalho.
O
assediador, por sua vez, e como já dito, pode serdemitido por justa causa.
14. QUEM
PODE SER RESPONSABILIZADO PELO ASSÉDIO MORAL?
Como já
referido, o assediador pode ser responsabilizado na esfera civil (indenização
por danos materiais e morais) e administrativa/laboral (desde a advertência até
a demissão).
Em sendo o
assediador servidor público, o Estado (União Federal, Estado ou Município) pode
ser responsabilizado pelos danos materiais e morais sofridos pela vítima,
porque possui responsabilidade objetiva atribuída por lei (independe de prova
de sua culpa). Comprovado o fato e o dano, cabe ao Estado indenizar a vítima,
podendo, entretanto, processar o assediador,
visando à reparação dos prejuízos que sofrer.
Já no caso
de relações trabalhistas, tal responsabilização pode recair sobre o empregador
(pessoa física ou jurídica), até mesmo porque é seu dever reprimir condutas
indesejadas, como é o caso do assediador. Tal afirmação encontra base na
Constituição Federal e no Código Civil. Segundo Rui Stocco, a responsabilidade
do empregador é subjetiva, por dolo ou culpa, mas com culpa presumida, de modo que se inverte o
ônus da prova, ou seja, o empregador deve provar que não agiu culposamente.
Essa
responsabilização do empregador decorre do dever de escolher bem os empregados,
manter um bom ambiente de trabalho,
adotando condutas que evitem e desestimulem o assédio.
15. QUEM DEVE
PROVAR O ASSÉDIO MORAL E QUE TIPO DE PROVA PODE
SER USADO?
A
dificuldade quando se é vítima de assédio moral éque ela é uma agressão difícil
de provar. O assediador, claro, nega a realidade da agressão, enquanto as
testemunhas (que, em grande parte das situações, são trabalhadores que se
relacionam diariamente com o assediador) também não
querem interferir porque temem represálias eventuais.
Ainda
assim, o ônus da prova incumbe a quem alega, ou seja, à vítima. Cita-se, como
exemplo de provas a serem utilizadas,bilhetes e mensagens eletrônicas.
Mesmo ante
a discussão a respeito da validade das gravações telefônicas e ambientais, é
possível também a sua realização.
Destaca-se
que a indenização por danos materiais depende da comprovação do fato (assédio),
do prejuízo e da relação de causalidade entre eles. No caso dos danos morais, a
prova é do fato (assédio), isso porque não há como produzir prova da dor, do
sofrimento, da humilhação;
assim, uma vez provado o assédio, presumem-se os danos
morais.
16. PODE OCORRER A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA,
PARA QUE O ASSEDIADOR TENHA QUE
DEMONSTRAR SUA INOCÊNCIA?
O ônus da
prova pertence a quem fez a alegação, no âmbito civil, trabalhista e
administrativo.
A inversão,
portanto, não se sustenta. O que há de peculiar é apenas a situação da
Administração Pública e do empregador no que se refere à responsabilidade
civil, na qual é presumida a culpa dos mesmos pelos atos de seus prepostos ou
servidores, conforme o caso, devendo ocorrer,
entretanto, a prova do fato, do prejuízo e da relação de
causalidade entre ambos.
17. COMO
PREVENIR O PROBLEMA?
Uma forma
eficiente de prevenção é a realização de campanha nas empresas ou nos órgãos
públicos para divulgação das informações sobre o assédio moral, a fim de que o
maior número de trabalhadores esteja ciente desse tipo de conduta, de como agir
diante dela, e das suas possíveis
conseqüências nas esferas cível, trabalhista/administrativa
e criminal. Dessa forma, estará sendo
possibilitada a criação de uma rede de
resistência e solidariedade entre os trabalhadores, o que, por si só, tem o
efeito de intimidar os possíveis agressores.
Nesse
sentido, cabe destacar que uma forma de combate e prevenção do assédio moral é
a solidarização no ambiente de trabalho: aquele que é testemunha de uma conduta
de assédio deve procurar fugir da “rede de silêncio” e conivência, mostrando
sua desconformidade com a conduta e sendo solidário com o colega na busca de
soluções para o problema. Mesmo porque
quem hoje é testemunha, em outra ocasião pode estarna situação de vítima do
assédio, quando precisará contar com o apoio dos colegas de trabalho.
18. JÁ
EXISTEM DECISÕES JUDICIAIS SOBRE O ASSUNTO?
Apesar
de ser um tema em início de discussão no Judiciário, existem decisões
favoráveis ao trabalhador, reconhecendo o direito de buscar indenização pelos
danos decorrentes da prática do assédio moral, das quais são exemplo as
seguintes:
ASSÉDIO
MORAL. CONFIGURAÇÃO. O que é assédio moral no trabalho?
É a exposição dos trabalhadores a
situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas
funções,sendo mais comuns em relações hierárquicas autoritárias, onde
predominam condutas negativas,
relações desumanas e anti-éticas
de longa duração, de um ou mais chefes
dirigidas a um subordinado, desestabilizando a relação da vítima com o ambiente
de trabalho e a Organização. A organização e condições de trabalho, assim como
as relações entre os trabalhadores, condicionam em grande parte a qualidade de
vida. O que acontece dentro das empresas é fundamental para a democracia e os
direitos humanos. Portanto, lutar contra o assédio moral no trabalho é contribuir
com o exercício concreto e pessoal de todas as liberdades fundamentais. Uma
forte estratégia do agressor na prática do assédio moral é escolher a vítima e isolá-la do grupo.
Neste caso concreto, foi exatamente o que ocorreu com o autor,sendo confinado
em uma sala, sem ser-lhe atribuída
qualquer tarefa, por longo
período, existindo grande repercussão em sua saúde, tendo em vista os danos
psíquicos por que passou. Os elementos contidos nos autos conduzem,
inexoravelmente, à conclusão de quese encontra caracterizado o fenômeno
denominado assédio moral. Apelo desprovido, neste particular.
VALOR
DA INDENIZAÇÃO. CRITÉRIO PARA A SUA FIXAÇÃO. A fixação analógica, como
parâmetro para aquantificação da compensação pelo dano moral, do critério
original de indenização pela despedida imotivada, contido no artigo 478
Consolidado, é o mais aconselhável e adotado pelos Pretórios Trabalhistas.
Ressalte-se que a analogia está expressamente prevista no texto consolidado
como forma de integração do ordenamento jurídico, conforme se infere da redação
do seu artigo 8º. Ademais, no silêncio de uma regraespecífica para a fixação do
valor da indenização, nada mais salutar do que utilizar um critério previsto na
própria legislação laboral. Assim, tendo em vista agravidade dos fatos
relatados nestes autos, mantém-se a respeitável sentença, também neste aspecto,
fixando-se que a indenização será de um salário - o maior
recebido pelo obreiro -, por ano
trabalhado, em dobro.
(TRT 17ª Região – Processo
1142.2001.6.17.0.9 – Rel. Juiz José Carlos Rizk – DJ de 15/10/2002)
ASSÉDIO
MORAL - CONTRATO DE INAÇÃO - INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - A tortura
psicológica, destinada a golpear a auto-estima do empregado, visando forçar sua
demissão ou apressar sua dispensa através de métodos que resultem em
sobrecarregar o empregado de tarefas inúteis, sonegar-lhe informações e fingir
que não o vê, resultam em assédio moral, cujo efeito é o direito à indenização
por dano moral, porque ultrapassa o âmbito profissional, eis que minam a saúde
física e mental da vítima e corrói a sua auto-estima. No caso dos autos, o
assédio foi além, porque a empresa transformou o contrato de atividade em
contrato de inação, quebrando o caráter sinalagmático do contrato de trabalho,
e por conseqüência, descumprindo a sua principal obrigação que é a de fornecer
trabalho, fonte de dignidade do empregado.
(TRT - 17ª Região - RO
1315.2000.00.17.00.1 – Ac 2276/2001 - Rel. Juíza Sônia das Dores Dionízio -
20/08/02, na Revista LTr 66-10/1237).
ASSÉDIO
MORAL - RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO POR JUSTA CAUSA DO EMPREGADOR -
INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - CABIMENTO.
O assédio moral, como forma de
degradação deliberada das condições de trabalho por parte do empregador em
relação ao obreiro, consubstanciado em atos e atitudes negativas ocasionando
prejuízos emocionais para o trabalhador, face à exposição ao ridículo,
humilhação e descrédito em relação aos demais trabalhadores, constitui ofensa à
dignidade da pessoa humana e quebra do caráter sinalagmático do Contrato de Trabalho.
Autorizando, por conseguinte, a resolução da relação empregatícia por justa
causa do empregador, ensejando inclusive, indenização por dano moral. (TRT 15ª
Região – 4ª Câmara (2ª Turma) - RO 01711-2001-111-15-00-0 – Relatora Juíza
Mariane Khayat F.do Nascimento – Publicada em 21/03/2003)
No
mesmo sentido, tem-se também os seguintes precedentes: RO 437/2003 (TRT 14ª
Região, Relator Juiz Carlos Augusto Gomes Lobo, publicado em 27/08/2003) e RORA
335/2003 (TRT14ª Região, Relator Juiz Carlos Augusto Gomes Lobo, Publicado em
19/08/2003).
19.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como
visto, o assédio moral constitui uma conduta grave, com reflexo no indivíduo e
profundos transtornos nas relações e condições de trabalho. E o mais grave
nisso tudo é que, diferentemente do que acontece com os riscos físicos e
químicos de determinados ambientes de trabalho (como exposição a poeira e gases
que provocam doenças pulmonares ou más condições
de segurança, que aumentam os
acidentes de trabalho), a pressão psicológica não é materializável. Portanto, é
impossível medi-la, a não ser a partir de suas conseqüências sobre a mente e o
corpo de quem trabalha.
Desse
modo, é importante que os trabalhadores e entidades sindicais estejam atentos à
prática de assédio moral no ambiente de trabalho, a fim de que possam
identificar o problema e buscar soluções. Nesse sentido, a conscientização e a
divulgação de informações sobre a prática do assédio moral são os primeiros
passos para que se possa lutar contra ele.
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